O teu cheiro, mãe. Tenho saudades do teu cheiro. Da tua pele, do teu pescoço, das tuas mãos a apertar as minhas, das tuas pernas que eu massajava com aquele creme de laranja que tu adoravas. Foi esse creme que te passei na cara e nas mãos quando me despedi de ti, foi com esse cheiro que te despediste de mim. Esse cheiro que se confundia contigo e que tu identificavas comigo. Foi a cheirar a laranja que respiraste baixinho, devagar, a largar a vida, a dispensar este mundo, a soltar o último suspiro. Tenho saudades do teu cheiro, mãe. De me afogar no teu pescoço, de fechar os olhos, de te encher de beijos, de te ouvir dizer já chega. Tenho saudades da tua voz a chamar por mim, dos teus olhos verdes pintalgados de castanho, das nossas gargalhadas cúmplices que ninguém entendia. O teu cheiro, mãe. Tenho saudades do teu cheiro.
[À minha mãe, no dia em que faz precisamente dois anos que partiu, a cheirar a laranja.]